07/05/2013
"As pedras vão rolar": a
trajetória do reggae no Maranhão (Parte I).
Prof.ª
Joyce Oliveira Pereira
(Clique aqui e confira mais
textos desta autora)
Dentre as várias denominações conhecidas para a cidade de São Luís,
capital do Estado do Maranhão, existe a alcunha de “São
Luís, a Jamaica Brasileira”. Só por este título já
podemos imaginar o motivo, mas você sabe como a “Atenas
Brasileira”, a “Ilha do Amor”, a “Ilha Rebelde” passou a
ser um dos principais redutos do reggae fora
da Jamaica?
O reggae surgiu na Jamaica por volta dos anos de 1960 a partir da
mesclagem de vários ritmos como o mento,
o ska e
o calipso.
Segundo a lenda de criação do reggae, foi através da
diminuição da velocidade do ska e
a introdução da guitarra para marcação que o baixo e a
bateria passaram a conduzir as músicas. Na década de
1970, o filme The
harder they come, estrelado por Jimmy Cliff,
retratou a efervescência do movimento reggae na Jamaica,
mas foi com o disco Catch
a fire dos
Wailers que o reggae começou a se consolidar e a se
projetar internacionalmente. Dentre os componentes do
Wailers estava Bob Marley que após o término do grupo
seguiu carreira solo e aderiu ao Rastafarianismo,
religião que mudou o conteúdo das letras de suas
músicas; estas passaram a ser mais espiritualizadas e
defendiam a paz.
No Brasil, especificamente no Maranhão o reggae começa a aparecer
na década de 1970. Não se sabe ao certo como realmente
chegou aos nossos ouvidos. Dentre as hipóteses estão:
Os
marinheiros que vinham da Guiana Francesa e aportavam em
Cururupu (um cidade litorânea do Maranhão) trocavam os
vinis de reggae por comida, bebida nos bares, ou para
pagar as prostitutas do Porto do Itaqui em São Luís;
O
Dj José Ribamar da Conceição Macedo comprava
os discos de vinil de Carlos Santos no estado do Pará e
se tornou um dos pioneiros a discotecar reggae no
Maranhão;
O
reggae pode ter chegado através das ondas curtas dos
rádios amadores que conseguiam captar frequências de
diversas regiões. Incluindo o Caribe.
Rapidamente o ritmo jamaicano popularizou-se entre as camadas mais
baixas da população. Podemos relacionar que esta adesão
deveu-se ao fato de que as principais manifestações
populares do Maranhão são fruto do legado cultural
afrodescendente, bem como o reggae é na Jamaica.
No Maranhão se dança reggae agarradinho, de casal, uma herança das
festas de bolero e salsa, os primeiros locais onde se
tocou reggae em São Luís. Ir às festas de reggae aos
fins de semana representava o lazer e a identidade do
negro pobre excluído da sociedade ludovicense, era sua
identidade. Estas festas, à época, eram localizadas nos
bairros considerados mais perigosos da cidade, e a
localização geográfica relegou ao reggae ser visto como
coisa de marginal, lugar de violência e, portanto, de
repressão.
A repressão ao ritmo jamaicano não foi só no âmbito da justiça; os
intelectuais também consideravam um sacrilégio chamar a
“Atenas Brasileira” também de “Jamaica Brasileira”,
pois, segundo estes, o reggae era uma “Cultura
importada” que não tinha nada a ver com a nossa
história. Esta polêmica foi tão grande que virou até
letra de música:
Se um radinho caísse aqui
caísse um radinho perto de você (2x)
Diga cidadão o que fazer
com informação em megatons
Bati a continência com
o Dial na frequência
ou desse obediência
insuflava a nação
Se um radinho caísse aqui
caísse um radinho perto de você (2x)
Diga cidadão o que fazer
com informação em megatons
Bati a continência com
o Dial na frequência
ou desse obediência
insuflava a nação
Mas atenção pra notícia:
A invasão é pacífica
A percursão é marítima
A explosão é sonora
é munição pós-moderna
O radinho, Cesár Nascimento.
Esta música representa, além desta polêmica, a assimilação do
reggae pelas camadas médias da sociedade ludovicense já
na década de 1990. Esta música hoje é um clássico da
Música Popular Maranhense. Para que houvesse essa
aceitação, foi necessário um processo muito grande, que
começou com os universitários. Os estudantes de ensino
superior nos anos 90 do século XX passaram a se
identificar com o reggae
roots, que
é o reggae de raiz, que se refere a Bob Marley e sua
mensagem. A partir disso, criaram-se locais
“alternativos”, onde essa classe média pôde frequentar o
reggae. Mas, como assim, frequentar o reggae?
Como já disse antes, os primeiros locais de discotecagem eram nas
periferias, e esses locais são conhecidos até hoje como
salões ou “clubões” de reggae com pouca infraestrutura,
onde muitas vezes ocorrem brigas. Mas, a principal
diferença é o reggae que se toca. A “massa regueira”
ouvia/ouve os reggaes de radiola, que são grandes
paredões de som com até 80 caixas que podem ser
desmontadas e levadas para qualquer lugar. Os DJs é que
comandavam/comandam a festa e as músicas tocadas
eram/são os “melôs”. As radiolas têm seu público, seus
fãs que muitas vezes acompanham seu percurso de
discotecagem pela cidade. O Djs viajavam muito à Jamaica
e foram os responsáveis pela “garipagem” dos grandes
clássicos do reggae.
Havia/ Há uma grande competitividade entre as radiolas pela
exclusividade das músicas. Por isso, muitas vezes, as
capas dos discos eram jogadas fora e o público não sabia
o nome da música. Daí, eram chamadas de melôs. O melô
pode ter o nome do lugar onde toca como Melô
da Barraca de Pau (um
clube de reggae), de mulheres, como o Melô
da Poliana (podiam
ser namoradas, amigas dos Djs) ou do que o regueiro acha
que quer dizer, como o Melô
do Caranguejo (
“White wich is gonna bet you- olha o caranguejo”). Os
melôs de mais sucesso são chamados de “pedras”. Essa
denominação remete à levada da música, a uma pedra
preciosa, preciosidade.
Hoje, depois de todo esse percurso, o reggae, não só em São Luís,
mas, também, no interior do Estado, é um dos ritmos mais
populares. Os Djs maranhenses, percebendo a força da
massa regueira, elegeram, atualmente, um deputado
federal que saiu dos bailes de reggae.
Ainda existem discussões se a Jamaica Brasileira existe ou não,
mas, o certo é que sempre em algum lugar do Maranhão
haverá alguém ouvido e dançando ao som de um reggae.
(Texto da
Prof.ª Joyce Oliveira Pereira, da redação d'O Historiante)
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