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19/03/2013
Série Primeira
Guerra Mundial
Texto 1 - A glória esperada de uma guerra
rápida e a ponta do iceberg em Sarajevo.
Intelectuais, militares, o povo, a imprensa: todos
ansiavam pela guerra, e esperavam que esta fosse curta e
gloriosa.
Prof. Pablo Michel
Magalhães
Tiros em
Sarajevo. No automóvel, o arquiduque Francisco
Ferdinando e a duquesa Sofia foram atingidos e, dentro
de não muitos minutos, o casal estaria morto em função
do atentado. Gravilo Princip fora imediatamente preso,
logo após disparar com sua pistola semi-automática 9x17
mm, e em seu julgamento declarou: "sou um nacionalista
iugoslavo, e acredito na unificação de todos os eslavos
do Sul sob qualquer forma de estado que seja livre da
Áustria".
A partir
desse evento, uma série de acontecimentos em cadeia
compuseram aquilo que conhecemos hoje como a Grande
Guerra ou Primeira Guerra Mundial. Há, porém, um engano
muito comum: o assassinato do arquiduque do Império
Austro-Húngaro não foi, sozinho, o motivo para
desencadear a guerra, que devastou a Europa entre 1914 e
1918. Obviamente, a morte de um líder político europeu
em um atentado foi algo bombástico e sacudiu a sociedade
no velho continente, mas, por trás disso, uma série de
outros elementos faziam parte da vida política nos países
europeus, contribuindo para que, um mês após o
assassinato de Francisco Ferdinando, a guerra fosse
deflagrada.
DAR UM
PASSO ATRÁS, PARA ANDAR DOIS PASSOS À FRENTE.
Bom, pra
entender isso, vamos ter de regressar um pouco no tempo,
lá para a década de 1870. Uma outra guerra, a
Franco-prussiana, havia manchado de sangue o continente
europeu. Nela, a França e o reino da Prússia se
enfrentaram por quase um ano. Os motivos para os
enfrentamentos estavam relacionados com as disputas e o
equilíbrio de poderes entre as nações europeias. A
Alemanha, enquanto país, não existia, e os vários
ducados e principados que existiam na região passaram
por um processo de unificação, tendo como principal
líder o reino da Prússia e seus dirigentes, em especial
o senhor Otto Von Bismarck, militar hábil e famoso em
sua época. Na França, Napoleão III vivia um período de
instabilidade política, e via (bem como demais
dirigentes do país) na unificação alemã um perigo ao
equilíbrio de forças entre nações na Europa.
A Espanha,
com o trono vago em virtude da abdicação de Isabel II,
ofereceu a coroa a Leopoldo, primo do rei Guilherme I da
Prússia. Isso enfureceu os franceses, que viam o aumento
de poder da família Hohenzollern ao integrar dois reinos
sob a mesma casa real. Após várias protestos de Napoleão
III, Leopoldo desistiu da coroa espanhola; não
satisfeito, o imperador francês exigiu que Guilherme I
desse garantias de que os prussianos da família
Hohenzollern jamais pretenderiam concorrer ao trono
espanhol. Ainda sem conseguir se satisfazer, Napoleão
exigiu que novas garantias fossem negociadas, agora com
o embaixador Benedetti da França. A isso, o rei
prussiano se recusou.
Aí entra a
astúcia de Bismarck. Tendo em vista a conquista da
Alsácia-Lorena (região pertencente à França, porém, com
população de maioria alemã) para completar o processo de unificação
alemã, ele interceptou e adulterou o telegrama de Ems,
enviado por seu rei para Napoleão III. Após as
alterações e resumos que fez, juntamente com seus
colaboradores, Bismarck transformou um comunicado
diplomático, onde há uma recusa de Guilherme I em
receber o embaixador francês para mais um dos vários
encontros que propunha, em um carta ofensiva aos
franceses. Logo a resposta veio, e a guerra entre as
duas nações teve início.
A Prússia
sairia vitoriosa desta batalha, e Otto Von Bismarck
alcançaria o que queria: a anexação do último território
pretendido para a unificação alemã, a Alsácia-Lorena. Em
uma solenidade no Palácio de Versalhes, Guilherme I foi
declarado imperador, e Bismarck anunciaria o início
daquilo que seria conhecido como o segundo Reich, o
Império alemão. O tratado de guerra assinado por França
e, agora, Alemanha, deixava o país derrotado em uma
posição humilhante, ocupado pelos exércitos prussianos e
obrigado a pagar uma indenização de cinco bilhões de
francos aos alemães.
Não preciso
dizer que a França ficaria com um sentimento de revanchismo
por muito tempo, e logo passou a tecer alianças com
outros países europeus. O Império alemão também não
ficou atrás, e estabeleceu uma série de tratados com
demais nações europeias.
AS
ALIANÇAS DEPOIS DA GUERRA
Por meio da
diplomacia de Bismarck, os alemães montaram a Liga dos
Três Imperadores (Alemanha, Áustria-Hungria e Rússia). O
chanceler alemão ainda reestruturou a aliança defensiva
com a Áustria em 1889, à qual a Itália também aderiu, em
1892. Com o Tratado de Ressegurança, Rússia e Alemanha
prometiam permanecer neutras em caso de guerra com
um terceiro país, a não ser que a Alemanha atacasse a
França, ou a Rússia atacasse a Áustria (ao assumir o
trono, Guilherme II se desentendeu com Bismarck e o
demitiu da chancelaria. Este novo imperador se revelaria
um péssimo estrategista. Ele acabou não renovando o tratado com a
Rússia, um erro que, futuramente, seria crucial).
A França
trabalhou longamente no campo da diplomacia. Assinou o
Tratado de Aliança Franco-Russo, em 1892-1893, seguido
pelo acordo firmado com a Grã-bretanha, após resolver as
disputas em relação às colônias na África. Em 1894,
celebraram a chamada Entente Cordiale. Em 1907, com a
união de Grã-Bretanha e Rússia em um tratado,
construiu-se a Tríplice Entente.
A Alemanha,
sob a liderança de um Guilherme II sedento por glórias,
mas sem vocação para a batalha, se aliou ao agonizante
Império Austro-Húngaro, enfraquecido pela questão dos
Bálcãs e que administrava muito mal sua diversidade
étnica. A população eslava do Sul do território imperial manifestava-se contra a soberania dos austríacos, dando origem ao movimento pan-eslavista,
que, por sua vez, fomentou a formação de grupos
nacionalistas para libertação dos sérvios, como a
sociedade Mão Negra, que praticava o terrorismo
como forma de luta contra a dominação do Império
Austro-Húngaro (era dessa sociedade secreta que o
Gravilo Princip fazia parte, e num ataque coordenado por
ela é que o estudante assassinou a tiros o herdeiro do
trono do império, Francisco Ferdinando!).
Além deste,
o fraco Império Otomano e o Reino da Itália aliaram-se à
Alemanha. Os italianos, em segredo, também assinaram um
acordo com a França, poucos anos depois (e durante a
guerra mudaram de lado! Aliados suspeitos, esses
italianos). Isso mostra
como essa rede de alianças era muito complicada e
enrolada.
Outro fator
muito significativo foi a política imperialista dos
países europeus. Disputas coloniais na África, corrida
armamentista, a ideia de consolidar vastos territórios
aos seus países, são alguns exemplos da constante
disputa que movimentava alianças, acordos e desavenças.
Não é exagero falar que as nações esperavam por um
conflito de grandes proporções, e seus líderes ansiavam
por isso. Uma batalha curta e gloriosa, que servisse
para mostrar a soberania e o gênio de guerra de cada um.
O EFEITO
DOMINÓ
Dominós
enfileirados, em pé. Com apenas um toque, um após o
outro, em uma reação em cadeia, caem. Na imagem acima,
bastou um dedo. Em relação à Primeira Guerra Mundial,
foi mais ou menos isso, só que o dedo estava no gatilho
de uma arma.
Em Sarajevo,
Francisco Ferdinando estava fazendo uma visita
diplomática. Organizados desde muito tempo, os membros
da Mão Negra orquestraram um atentado contra o
herdeiro do Império Austro-Húngaro. Eles não estavam lá
para deflagrar uma guerra mundial, sequer imaginavam
isso. Os terroristas faziam parte de um movimento que
exigia a independência dos eslavos que viviam no
império, e utilizaram-se de uma atentado em Sarajevo
para buscar isso. O que aconteceu, naquele dia fatídico,
acabou desencadeando algo muito maior.
O Império
Austro-Húngaro, após o assassinato do arquiduque, enviou um ultimato à Servia, acusada de
financiar o grupo terrorista, com 10 exigências. Ao
saber que os sérvios aceitariam apenas 8, os austríacos
declararam guerra ao país. Em proteção aos sérvios, a
Rússia mobilizou suas tropas; A Alemanha, por sua vez,
voltou-se contra a França, pondo em prática a tática de
invasão rápida e massiva sobre este país, para depois ir com força
total contra os russos. Após titubear muito, a França
declarou guerra à Alemanha, após esta invadir a Bélgica
e atacar soldados franceses. No mesmo dia, foi a vez dos
russos receberem a declaração de guerra dos alemães. A
Grã-Bretanha, recebendo uma resposta insatisfatória ao
seu ultimato para que a Alemanha deixasse a Bélgica como
território neutro, declarou guerra ao país de Guilherme
II.
Assim, um
após outro, os países foram declarando guerra uns
aos outros, dando início aos conflitos da Primeira
Guerra Mundial.
REVISANDO...
O atentado
contra Francisco Ferdinando não foi o causador da
guerra. Foi, pelo contrário, o fósforo aceso que faltava
ser jogado nos barris de pólvora já montados. Ou seja,
Gravilo Princip, naquele dia, ao usar sua arma, disparou
mais que apenas duas balas. Ele derrubou o primeiro
dominó da fila, e o efeito em cadeia começou.
As disputas
políticas e econômicas, a corrida armamentista, o ímpeto
conquistador sobre as colônias na África, a busca pela
supremacia mundial: todos esses elementos estavam em
jogo, ainda que, nas relações diplomáticas e na vida
social, isso ficasse escondido sob a linda máscara da
belle époque, período da deslumbrante cultura
cosmopolita na história da Europa. As pompas desse
período deram lugar ao desencanto e a crueldade da
guerra que se avizinhava.
Clique abaixo e confira o texto 2:
Entre tambores
e cavalarias, a Grande Guerra e o choque das
mentalidades de combate.
(Texto do Prof. Pablo
Michel Magalhães, da redação d'O Historiante). |
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