Entrevista com
Prof.ª
Flávia Sampaio Reis da Silva
Graduada em Licenciatura Plena em
História pela Universidade do Estado da Bahia.
Professora, o objetivo da entrevista consiste
num “bate-papo” sobre algumas das dificuldades
encontradas ao se trabalhar com o ensino de
história da África e africanidades. Bom, além da
atividade docente, a professora desenvolve
pesquisas historiográficas sobre escravidão. Nas
suas considerações iniciais, poderia expor um
pouco de sua experiência sobre a relação que se
estabelece entre suas pesquisas sobre a
escravidão e o Ensino de História da África e
africanidades em sala de aula?
Resposta:
Bom, realizei pesquisa sobre a escravidão em
Monte Alegre (hoje, Mairi) e para tanto recorri
a vários tipos de documentos como: certidão de
nascimento e de óbito de filhos de escravos,
cartas de alforria, escrituras de compra e venda
de escravos etc. Além de utilizar a minha
pesquisa como base e como uma maneira de
aproximar o aluno com a sua história local nos
conteúdos que envolvam a temática de forma
direta e indireta, ela também serve como apoio,
todo o início de ano letivo, para mostrar a
importância do estudo da história, do resgate do
passado para tentar compreender o presente, em
especial da realidade que nos é peculiar. Como
eu costumo frisar para meus alunos mairienses:
“Todos nós temos, nem que saiba, um pezinho na
senzala.”.
Como você enxerga o diálogo das pesquisas que
fazem uma abordagem de História Regional e Local
e o ensino de história da África e africanidades?
Apontaria dificuldades? Apontaria algumas
alternativas possíveis para vencer estas
dificuldades?
Resposta:
A História Regional e Local são de fundamental
importância para que os educandos encontrem
sentido no que estudam, para que percebam que o
que a História traz, enquanto disciplina, não é
algo distante deles. Sendo assim, todo e
qualquer trabalho que tenha esse viés de
História Local e Regional e que estude ou, ao
menos, cite a história da África e africanidade
é sempre bem-vindo para fundamentar essa
realidade, na sua maioria, cruel do que foi a
escravidão no Brasil, na Bahia, no Recôncavo, no
Sertão... e que deixou marcas que persistem até
os dias atuais. Várias vezes já encontramos
documentos relacionados à escravidão em Monte
Alegre que dizem respeito à familiares de alguns
alunos, de fazendas que hoje são bairros ou
chácaras. Enfim: Para o professor-pesquisador há
uma gama muito grande de trabalhos que tratam
dessa temática, e que de alguma forma, ele pode
direcionar para o seu objetivo. Cabe a ele,
então, fazer esse exercício de ensinar e
pesquisar, ser um professor-pesquisador...
Talvez seja essa a dificuldade encontrada pela
grande maioria.
Do ponto de vista metodológico, o que dificulta
o ensino de História da África e africanidades?
Resposta:
Do ponto de vista metodológico a grande
dificuldade em alavancar o ensino de História da
África e africanidades seria a carência de
materiais mais específicos e de cursos mais
acessíveis para que o educador pudesse ter uma
maior informação e formação nesse sentido.
Geralmente essa formação se dá por meio de
cursos de pós-graduação, que nem sempre são
abertos a todos. Na minha opinião deveria ser
algo imprescindível e disponibilizado por meio
de cursos de formação continuada, já que a lei
precisa, necessita ser cumprida.
Você considera que exista uma boa variedade de
conteúdos, para além do livro didático, de boa
qualidade, para que os professores possam
preparar adequadamente uma boa aula sobre o
ensino de história da África e africanidades?
Resposta:
Sim, com certeza! O livro didático não deve ser
tomado como única e exclusiva ferramenta. Por
mais que tenhamos a necessidade de cumprir o
conteúdo “porque meu aluno vai fazer a prova do
ENEM, vai prestar vestibular...”, eu posso muito
bem recorrer ao “currículo oculto” e por
diversos meios introduzir temáticas relacionadas
à História da África e africanidades no meu
discurso, em trabalhos de pesquisa, em uma gama
variada de temas e de atividades solicitadas aos
alunos. Isso o estimulará a conhecer mais sobre
a temática e até mesmo “se encontrar”
culturalmente.
Como você enxerga o ensino de História da África
e africanidades no diálogo com manifestações
artístico musicais como o reggae o blues, o
jazz, o axé, o samba dentre outros? Quais as
maiores dificuldades em trilhar por estes
caminhos?
Resposta:
Acredito que a música é inerente a todo e
qualquer ser humano. Para a juventude atual tudo
“cheira a música”, tem “gosto de música”, a
música está em toda a parte... Assim, valer-nos
das manifestações musicais ligadas à África é
com certeza uma forma de “chamar” os alunos para
ainda mais próximo da cultura africana da qual
ele faz parte e que precisa conhecer ainda mais.
Fazer um estudo aprofundado dos estilos musicais
e a forma como ele transmite a cultura de outros
povos, ou do nosso povo é, sem dúvidas, um bom
começo.
Entrando um pouco mais nesta questão cultural,
do seu ponto de vista, quais as maiores
dificuldades ao se relacionar, em sala de aula,
a temática sugerida com outras manifestações
culturais, como Samba de Roda, a Capoeira, o
Bumba meu Boi?
Resposta:
A grande dificuldade estaria no respeito ao que
é diferente, ou melhor, em aceitar sem maiores
problemas, àquilo que não é tão comum pra mim.
Mas, como posso aceitar o que não conheço? A
sugestão então, é buscar trabalhar essas
manifestações culturais que não nos é tão
corriqueiras e deixar que os educandos percebam
que toda e qualquer manifestação cultural tem
sentido, seu próprio fundamento e que eu,
enquanto ser social, posso sim me identificar ou
não com ela.
Professora, muito obrigado pela entrevista.
Gostaria que em suas considerações finais,
ficasse a vontade para comentar outras questões
que por ventura queira abordar relativas ao
Ensino de História da África e africanidades.
Fique, também, à vontade para suas conclusões.
Resposta:
Parabenizo o grupo pela brilhante iniciativa de
trazer à luz questões tão pertinentes para
pensarmos de forma mais sistemática sobre o
ensino da história da África e africanidades na
nossa docência. Gostaria de encerrar a
entrevista com um pensamento do professor Amauri
Mendes Pereira presente em seu livro “Por Que
Estudar a História da África?”, que diz assim:
“Conhecer as origens é fundamental para a
ampliação da consciência social e histórica do
povo brasileiro (...). África, Europa e América
percorreram juntas uma tormentosa trajetória,
especialmente nos últimos cinco séculos. O
futuro, para a barbárie ou para a luz, também
terá que ser construído em conjunto.”
|