Entrevista com
Prof.ª
Joila Rodrigues
Atualmente, cursa a Licenciatura em Pedagogia
pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Educação Infantil. Atua, principalmente, nos
seguintes temas: relações étnico-raciais,
formação de professores, implementação da lei
10.639/03.
Contextualize a criação da lei 10.639/03.
Resposta:
Examinando o passado evidenciamos que a
trajetória educacional crianças e jovens negros
das classes populares e as vezes até de nível
médio, é marcada por diversas formas de
preconceito mesmo que de forma velada desde o
inicio do processo de escolarização.
Nesse contexto, a promulgação da Lei 10.639/03
representa a conquista de longos anos de lutas e
reivindicações dos movimentos sociais negros
(Teatro Experimental Negro, Frente Negra,
Movimento Negro) por ações que possibilitassem
ao povo negro e a cultura negra de serem
valorizados como parte da existência da
sociedade brasileira.
Diante do exposto, o legislativo, elaborou e o
executivo promulgou essa lei a fim de reparar os
danos nocivos causados ao povo negro além de dar
efetividade, de fato e não apenas de direito, a
um dos objetivos fundamentais da Constituição
Federal de 88 previstos no artigo
3º, inciso IV “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação”, bem
como o que assegura Art. 5º
da Carta Magna “Todos são iguais perante a
lei”. Para o legislativo somos desiguais, mas
não diferentes, porém historicamente as nossas
diferenças étnico-raciais foram tomadas como
subterfúgio para ser estabelecidas desigualdades
em todos os níveis.
O estabelecimento da referida lei alterou ainda
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, tornando
obrigatória a inclusão no currículo oficial da
rede de ensino nacional a temática “História e
Cultura Afro-Brasileira” no intuito de favorecer
o entendimento dos alunos acerca da valorização
dos negros e dos seus descendentes como parte da
constituição do povo brasileiro e não um
“modismo influenciado por uma data do calendário
escolar, 13 de maio” (AGUIAR, 2010, p. 31).
Um dos impactos mais sentidos pela instituição
de ensino e pelos integrantes que a compõem, é a
obrigatoriedade da introdução da temática
sugerida, nos currículos que orientam as ações
das mesmas, ou seja, por vias legais, não se
pode mais ocultar, o que durante anos foi
trabalhado de forma equivocada ou
mesmo invisibilizada.
Vale ressaltar que o professor tem um papel de
destaque no cumprimento da lei, uma vez que, é
ele o responsável pela aplicação dos conteúdos
em sala de aula, por isso é importante que se
pense também na formação inicial e continuada
desse professor para lidar com os aspectos
étnico-raciais na escola.
Buscando dar conta da diversidade na formação do
povo brasileiro, foi sancionada a lei 11.645/08
que de alguma forma servira de complemento à lei
anterior. Sabendo disso, comente as semelhanças,
diferenças e avanços entre essas leis.
Resposta:
Semelhanças – são leis afirmativas aprovadas
mediante paulatinas ações de movimentos sociais
negros e indígenas de reivindicações e
denuncias. Ambas alteraram a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Básica – LDB 9394/96 para
incluir no currículo a obrigatoriedade do estudo
da história e cultura dos povos indígenas,
africanos e afro-brasileiros.
Diferenças – a 10.639/03 foi acrescida do 20 de
novembro como dia obrigatório de ensino da
temática pertinente na lei nas escolas e a
11.645/08 não sofreu acréscimos extras.
Em relação à aplicação nas Escolas, qual a
situação que estamos vivendo na atualidade,
levando em consideração, que já se vão 10 anos
da primeira lei.
Resposta:
No interior das instituições escolares
brasileiras, os alunos permanecem sendo
segregados segundo as classes sociais que ocupam
e novas bases para discriminações continuam
sendo estabelecidas tornando as oportunidades de
acesso a uma educação de qualidade desiguais.
Tal aspecto é diretamente atribuído ao fato de
estarmos imersos em um sistema que
burocraticamente assume a igualdade como um
valor, mas ao mesmo tempo realimenta os
processos de exclusão muitas vezes de modo
silencioso, utilizando-se do racismo como uma
das formas mais marcantes de exclusão social nas
escolas.
Infelizmente as instituições escolares, assim
como as demais instituições sociais, permanecem
repletas de práticas preconceituosas,
discriminatórias e racistas também, o que
favorece, em muitas ocasiões, um dia a dia
nocivo para a construção e crescimento emocional
e cognitivo das crianças e adolescentes
presentes no ambiente escolar, em especial às
consideradas diferentes – com destaque para os
pertencentes à população negra. Concordo com Ana
Celia da Silva ao afirmar em um das sua
publicações feitas em 2010 que ao reproduzir e
disseminar ideologias e conceitos que
desvalorizam o grupo negro, o sistema
educacional garante às crianças e aos
adolescentes negros um tipo de tratamento que
dificulta e até mesmo chega a impedir a sua
permanência na escola e/ou seu sucesso escolar.
Hoje já não há mais leis que impeçam a entrada,
porém também não há mecanismos que garantam a
sua permanência nas escolas, e essa não
permanência dos negros e afrodescendentes esta
relacionada a muitos fatores, como por exemplo,
a falta de perspectiva com relação a sua
formação, a não sociabilidade, o não
reconhecimento de suas potencialidades, a
sensação de inferioridade entre outros.
Qual as principais dificuldades na implementação
dessas leis, no que tange a parte pedagógica e
ideológica ?
Resposta:
As dificuldades mais comuns estão diretamente
ligadas a elaboração de propostas, projetos e
ações consistentes desenvolvidas em parceria com
professores, coordenadores, pedagogos, diretores
que juntos se mobilizem a favor da desconstrução
da discriminação existente no interior dos
“murros da escola” e da sala de aula.
Enfim, a escola enquanto instituição social
responsável por executar, de modo pratico, o
direito da educação igualitária, deve assumir
seu lugar político lutando a favor da superação
do racismo e da discriminação racial,
fortalecida pelo apoio dos seus educadores
independentemente do seu pertencimento
étnico-racial ou credo religioso.
No entanto, os professores encontram-se
despreparados para trabalhar tais sugestões, em
função da falta de materiais produzidos para
este fim, cursos de capacitação e
aperfeiçoamento pedagógico oferecidos pelos
municípios e estados, bem como formação adequada
nas instituições de ensino superior, esta alega
que a carga horária disponível nas disciplinas,
quando existe, não atende a todos os cursos das
licenciaturas. Essas lacunas tendem a refletir
na sala de aula ocasionando prejuízos na
formação cultural dos sujeitos envolvidos.
Se possível relate uma experiência
didático-metodológica que buscou empregar as
diretrizes das respectivas leis.
Resposta:
Na escola em que atuo enquanto professora das
Series Iniciais foi proposto trabalhar com
planos para as unidades correntes com o tema
“História e Cultura Africana, Afro Brasileira e
Indígena” a fim de estimular o desenvolvimento
de habilidades cognitivas nos alunos, as quais
favorecessem a percepção critica do mito da
democracia racial, a construção da identidade
étnico-racial na formação do Brasil e a
folclorização com que os temas são tratado
estudos feitos nos espaços em que eles, enquanto
sujeitos, tem acesso.
Tivemos a oportunidade de desmistificar a visão
folclórica da cultura negra, indígena e afro
descendente ao trabalharmos com o currículo
multicultural que nos permitiu também realizar
intervenções pertinentes, para que os alunos
compreendessem a sua formação multirracial e que
o preconceito, o racismo e o etnocentrismo causa
sérios problemas na construção da cultura e da
identidade brasileiras.
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