O Brasil foi batizado na Bahia!

  

                

24/08/2013

 

 

O Brasil foi batizado na Bahia!

 

 

Prof. Juliano Mota Campos

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Axé para todos!  Essa saudação iorubá são as boas vindas que dou a você, leitor do historiante, nessa série de textos que buscará apresentar, através da história, alguns estados brasileiros, entre eles a Bahia. Não é intenção minha dar conta em um só texto de 464 anos de história (se contarmos a partir da fundação de sua capital), 417 municípios em regiões tão díspares e com uma historiografia tão rica e em franca expansão. Discutiremos os acontecimentos de destaque na historiografia e alguns sujeitos e fatos que marcaram as mais diversas regiões da Bahia no período colonial e regencial. Da chapada ao litoral, do recôncavo ao sertão, na terra de todos os santos veremos que não é só com acarajé, capoeira e carnaval que se conta a história de um estado que tem a cara da alegria e a forma do Brasil.

 

O batismo brasileiro ocorreu na Bahia. Cabral foi instruído para fugir do litoral africano a fim de impedir os ventos, e fugiram tanto que só no dia vinte e um de abril os marinheiros notaram a manifestação das terras, no dia seguinte visualizaram um monte alto no qual foi nomeado como Monte Paschoal porque naquela semana era a semana da páscoa, assim no dia imediato a esquadra chegou a um porto que recebeu o nome de Porto Seguro onde é hoje a Bahia Cabrália no estado da Bahia. Em 1549, Salvador foi nomeada pela coroa portuguesa como a capital brasileira e esta, com 25.000 habitantes, foi a sede da primeira escola jesuíta de instrução elementar no mesmo ano, e também por insistência do jesuíta Manoel da Nóbrega, dom João III autoriza a criação do primeiro bispado em Salvador tendo Dom Pero Fernandes Sardinha como 1° bispo.

 

A partir do século XVI, Salvador foi o maior porto brasileiro para a chegada de escravos africanos. Pela grande quantidade de africanos em sua região, Salvador adotou hábitos, costumes e tradições deste povo que hoje mostra a miscigenação entre povos de culturas distintas. Estudos recentes afirmam que na nau Bretoa, para aqui enviada em 1511 por Fernando de Noronha, já se encontravam negros no seu bordo. A consolidação da economia colonial intensificou o tráfico de africanos para o Brasil, especialmente para o Nordeste, onde um tipo de agroindústria se concentrou e floresceu com o cultivo da cana-de-açúcar. A consolidação da economia colonial intensificou o tráfico de africanos para o Brasil,   especialmente para o Nordeste, onde um tipo de agroindústria se concentrou e floresceu com o cultivo da cana-de-açúcar.

 

O século XVIII, segundo a historiadora Kátia Matoso, foi o de maior importação de africanos; a média teria chegado a 55.000, entrados anualmente. Essa massa populacional negro-africana, embora se concentrando especialmente na região nordestina, principalmente na Bahia, se espraiará, em maior ou menor quantidade, por todo o território nacional. Nina Rodrigues percebeu pela primeira vez a predominância sudanesa na Bahia, no que foi confirmado por Artur Ramos.  Este destacou no grande grupo a predominância dos iorubas, também chamados nagôs, dos gegés (ewes) do Daomé, dos minas da costa norte-guineana  e os malês (ou mandingas, de tradição guerreira, considerados altivos e perigosos pelos lusos, que lhes atribuíam feitiçarias).  Entre os sudaneses originários da costa da Guiné, a presença comum da língua pertencente ao grupo lingüístico iorubá talvez explique a predominância dos elementos dessa cultura em nosso candomblé e nas influências negras de nossa linguagem.

 

 

Sobre estes sujeitos de grande importância para a sociedade colonial em vários aspectos (cultural, político, econômico), João José Reis e Eduardo Silva, na obra Negociação e conflito, irão afirmar que os negros escravizados haviam tomado uma posição intermediária entre a passividade e o conflito, sendo que este era em muitos momentos instrumento de negociação. Os escravos deixam então de ocupar a posição de heróis ou vítimas, para possuir uma autonomia que os historiadores econômicos insistiam em lhes negar. Dessa forma, os cativos assumem um papel ativo na sociedade, o que se demonstra tanto no plano social, como no econômico, cultural e judicial nos pequenos atos do cotidiano. Os senhores proporcionavam válvulas de escape para as pressões do sistema, sendo que os escravos, por muitas vezes, buscavam melhorias dentro do sistema e não um sistema novo.

 

A partir do desgaste desse sistema excludente e opressor a busca por um sistema novo era cada vez mais latente e os negros defenderam os seus ideais por meio do conflito enquanto forma de negação ao sistema. No contexto dos movimentos separatistas ocorreu a conjuração baiana, Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios em 1798 e tinha caráter emancipacionista: exigia, a qualquer custo, a independência do domínio português. Quando Salvador deixou de ser a capital brasileira, acabou perdendo boa parte dos investimentos da Coroa e passou a ter papel secundário diante da nova capital, o Rio de Janeiro, a população baiana acabou sofrendo com a crise econômica do estado. A violência aumentava cada vez mais com o constante saque de propriedades privadas e mercadorias. A partir de então, as ideias radicais foram surgindo.

 

Segundo István Jancsó, na obra Bahia, contra o Império: história do ensaio de sedição de 1798, o médico Cipriano Barata teve papel de destaque na propagação da revolta. Ele organizou a população mais humilde, como escravos e pequenos camponeses, para difundir mensagens e panfletos incitando mais revoltosos para aderir à revolução. Uniram-se ao levante de Barata mulatos, escravos, negros livres, comerciantes, artesãos, religiosos, soldados, setores populares e, especialmente, muitos alfaiates. No movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira, sob chefia militar do tenente Aguilar Pantoja, que contava com o apoio dos soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas Amorim Torres.

 

 

Percebendo o perigo de uma organização popular em grande escala, o rei de Portugal D. Fernando infiltrou homens de seu exército com os revoltosos e acabou surpreendendo-os. O rei conseguiu prender a maioria dos envolvidos e não hesitou em torturá-los. Revoltosos mais pobres, como Faustino e Nascimento, foram condenados imediatamente à morte por enforcamento, enquanto que os intelectuais e mais abastados Barata e o professor Francisco Moniz foram absolvidos pela Coroa. Apesar de não ter sido concretizado em sua totalidade, a Conjuração Baiana é considerada uma importante revolta popular. Muito além da pretensão de derrubar a monarquia, a revolta pôs em xeque as questões sociais tupiniquins e deu impulsão para o surgimento das primeiras campanhas abolicionistas do Brasil.

 

Outro movimento predominantemente negro de destaque só que no período regencial foi a Revolta dos Malês, na cidade de Salvador. Naquela época, mais da metade da população de Salvador era composta de africanos e afros descendentes, escravos ou libertos, de diferentes regiões da África ou nascidos no Brasil. Entre eles havia os Malês (em árabe, o termo designava “pessoas alfabetizadas”), que professavam a religião muçulmana. Em janeiro de 1835, um grupo formado por mais de 1500 africanos e descendentes, sendo a maioria composta de “escravos de ganho”, planejou libertar os companheiros muçulmanos escravizados e matar os seus opressores. Por não ser uma religião exclusiva de um único povo africano, o islamismo conseguiu unir vários grupos africanos de diferentes culturas, entre escravos e libertos. Isso retirou dos escravistas a vantagem da divisão entre os africanos. Os Malês acabaram sendo massacrados pelas tropas da guarda nacional, pela policia e por civis aramados, que estavam apavorados com a possibilidade de sucesso da rebelião. 

 

Não foi apenas através de levantes negros que se pôde contar a história desse rico lugar. No litoral norte do estado, município de Mata de São João, era erguida por Garcia D`Ávila a partir de 1551 a casa da torre ou castelo da torre de Garcia d”Ávila, uma espécie de mansão senhorial, única nos moldes arquitetônicos medievais na América,maior latifúndio do mundo(800 mil km quadrados) estabelecendo-se naquela torre um primeiro sistema de comunicação á distancia, ligando-a á primeira capital da América portuguesa. Devido a sua excelente localização era ponto de observação e defesa contra inimigos que viessem tanto  pelo litoral (piratas/corsários) ou por terra (indígenas)  de onde partiram as primeiras bandeiras sertanistas que introduziram a pecuária na região nordeste do Brasil.

 

 

Graças a esses movimentos bandeiristas e a movimentação dos tropeiros, muitas importantes cidades formaram-se, constituindo-se inicialmente em feiras livres, principalmente com o comércio de gado como a exemplo de Feira de Santana. Situada no portal do sertão, inserida na civilização do couro, construiu-se em torno do comércio destacando-se como maior cidade do interior do estado e maior entroncamento rodoviário do norte-nordeste do país. Foi graças aos comerciantes do sertão, pioneiros e desbravadores do interior brasileiro que surgiram as primeiras notícias da descoberta de ouro e metais preciosos, inclusive na região da chapada diamantina no séc. XVIII.

 

A exploração do ouro perdurou por quase um século. Nessa época, foi construída a chamada Estrada Real para transportar o minério, que ligava a Chapada de Norte a Sul, de Jacobina a Rio de Contas. Com o declínio da produção de ouro começa a exploração dos diamantes, responsável por trazer uma nova povoação à região, negociando com mercadores franceses, ingleses e alemães. Esse período durou apenas 26 anos. A exploração do diamante começou em Mucugê, expandindo-se para o norte e para o sul, criando novos povoados, como Barra da Estiva, Rio de Contas, Igatu, Andaraí, Lençóis até Morro do Chapéu, definindo assim a região que passou a ser denominada de Chapada Diamantina, fazendo alusão à abundância da pedra preciosa e a sua formação geológica, contudo, por volta de 1870, o ciclo do diamante entra em decadência.

 

(chapada diamantina)

 

A mesma Bahia que abrigou em 1808  a família real portuguesa, sendo sede de uma das primeiras faculdades  de medicina da América portuguesa, também foi o palco das lutas pela independência. Segundo Luís Henrique Dias Tavares No ano de 1821, as notícias da Revolução do Porto reavivaram as esperanças autonomistas em Salvador. Os grupos favoráveis ao fim da colonização enxergavam na transformação liberal lusitana um importante passo para que o Brasil atingisse sua independência. No entanto, os liberais de Portugal restringiam a onda mudancista ao Estado português, defendendo a reafirmação dos laços coloniais.

As relações entre portugueses e brasileiros começaram a se acirrar, promovendo uma verdadeira cisão entre esses dois grupos presentes em Salvador. Meses antes da independência, grupos políticos se articulavam pró e contra essa mesma questão. No dia 11 de fevereiro de 1822, uma nova junta de governo administrada pelo Brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo deu vazão às disputas, já que o novo governador da cidade se declarava fiel a Portugal. Tropas portuguesas começaram a invadir os quartéis. Em Salvador, tomaram o Forte de São Pedro e o Convento da Lapa, onde havia alguns soldados brasileiros. Neste episódio, a abadessa Sóror Joana Angélica tentou impedir a invasão e acabou sendo morta.

 

Concluída a ocupação militar em Salvador, a cidade recebeu novas tropas portuguesas e muitas famílias baianas fugiram para as cidades do recôncavo. Tomando outros centros urbanos do interior, o movimento separatista ganhou força nas vilas de São Francisco e Cachoeira. Ciente destes outros focos de resistência, Madeiro de Melo enviou tropas para Cachoeira. A chegada das tropas incentivou os líderes políticos locais a mobilizarem a população a favor do reconhecimento do príncipe regente Dom Pedro I. Tal medida verificaria qual a postura dos populares em relação às autoridades lusitanas recém-chegadas. O apoio popular a Dom Pedro I significou uma afronta à autoridade de Madeira de Melo, que mais uma vez respondeu com armas ao desejo da população local.

 

Os brasileiros, inconformados com a violência do governador, proclamaram a formação de uma Junta Conciliatória e de Defesa instituída com o objetivo de lutar contra o poderio lusitano. Os conflitos se iniciaram em Cachoeira, tomaram outras cidades do Recôncavo Baiano e também atingiram a capital Salvador. As ações dos revoltosos ganharam maior articulação com a criação de um novo governo comandado por Miguel Calmon e Almeida. Enquanto as forças pró-independência se organizavam pelo interior e na cidade de Salvador, a Corte Portuguesa enviou cerca de 750 soldados sob a liderança do general francês Pedro Labatut.

 

(Praça da Aclamação, Cachoeira/ casa de câmara e cadeia)

 

As principais lutas se engendraram na região de Pirajá, onde independentes e metropolitanos abriram fogo uns contra os outros. Pouco a pouco os territórios baianos foram sendo retomados, resultando na rendição das forças portuguesas. Com a vitória, o Exército Brasileiro entrou em Salvador no dia dois de julho de 1823, consolidando a retomada da cidade e fim da ocupação portuguesa no Brasil. Após a Independência do Brasil, a Bahia continuava em poder português, mas em 02 de julho de 1823 houve a última batalha onde as tropas portuguesas foram vencidas pelo exército nacional e esta data passou a ser comemorada todos os anos com intensa participação popular.

 

A situação de instabilidade política deixada no império brasileiro com a abdicação de D. Pedro I e a menor idade jurídica de D. Pedro II para governar foi um cenário favorável para os movimentos contestatórios do período regencial, e na Bahia podemos destacar a Sabinada. A Sabinada foi um movimento que teve início entre as elites militares, médicas e jornalistas baianas, seu principal idealizador foi Francisco Sabino, médico e jornalista; entretanto, o movimento se destacou por ter grande participação das camadas populares. Assim, liderados pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, os participantes da Sabinada se opuseram à mal resolvida questão da centralização política que se arrastava desde o início do Brasil Império.
 

Na obra A Sabinada: a revolta separatista da Bahia- 1837, de Paulo Cesar de Souza, o autor relata que em 7 de novembro de 1837, o movimento conseguiu a adoção dos militares da Fortaleza de São Pedro e contando com tal apoio, os revoltosos obrigaram o governador Francisco de Souza Paraíso a abandonar seu cargo. Logo após o golpe político, Sabino e seus comparsas decretaram a criação da República Bahiense. Apesar de conseguir sua consolidação, o novo governo se instituiu em caráter transitório, até que o herdeiro do trono brasileiro, Dom Pedro II, chegasse à maioridade.

 

No âmbito social, a nova república, criada em solo baiano, prometia conceder liberdade a todos os escravos que apoiassem o governo. Em resposta ao movimento, o governo regencial nomeou um novo governador e organizou um destacamento de forças militares destinadas a dar fim ao levante. Após bloquear as saídas marítimas de Salvador, as tropas do governo iniciaram o ataque terrestre. Entre os dias 13 e 15 de março, as ruas de Salvador foram ocupadas pelas forças regenciais, que renderam os participantes da revolta. Logo após a batalha, os líderes da revolta foram julgados, sendo que três foram condenados à morte e os demais à prisão perpétua. No entanto, as penas foram posteriormente abrandadas para o degredo em território nacional.

Ainda no contexto regencial, vale destacar um movimento importante para se analisar a organização social baiana no período, a cemiterada. Segundo João José Reis na produção A Morte é uma Festa, em 24 de outubro de 1836, entrava em vigor uma lei em Salvador que proibia os tradicionais enterros no interior das igrejas e dava a uma companhia privada o monopólio dos enterros por trinta anos, no cemitério chamado de Campo Santo. Insatisfeitos com a postura do governo da Bahia, um dia após a lei ser outorgada, as irmandades católicas se organizam e vão protestar em frente ao palácio do governo provincial vestidos a caráter, carregando cruzes e bandeiras referentes a sua irmandade, o protesto tomou tal proporção que polícia estimou cerca de duas a quatro mil pessoas.

 

 

Devido a pressão exercida, o presidente da província decide convocar uma reunião extraordinária da Assembleia Provincial para rever a lei, Mesmo com a decisão do governador que atendia, por enquanto, a vontade do povo, um grupo aproximou-se do escritório da companhia do cemitério gritando “vivas às Irmandades e morras aos Pedreiros livres”, em sequência apedrejaram o lugar. Em seguida, a multidão marchou sentido ao Campo Santo, que ficava a três quilômetros do centro da cidade, lá a destruição foi praticamente total. A manifestação só teve fim a noite, o cemitério estava destruído e o povo contente.

 

A cemiterada foi um movimento atípico dos diversos que ocorreram naquele período conforme já discutimos, a Revolta dos Malês em 1835 e a Sabinada em 1837. A partir do início do século XIX, a opinião médica brasileira começa a questionar a higienização das igrejas devido os constantes enterros, a ideia de uma solução mais prática e higiênica para os enterros começa a ser elaborada. A reforma funerária acreditavam os médicos brasileiros, iria significar a civilização do país. Os cemitérios seriam adaptados para comportar maior quantidade de mortos, os túmulos teria uma profundidade determinada impedindo a propagação do mau cheiro e serviria de vitrines para exibição de atitudes cívicas, a virtude seria exaltada em lugar da piedade religiosa. Seria um projeto burguês para uma sociedade escravocrata.

 

A Bahia devido a sua riqueza e diversidade étnica e cultural trouxe significativas contribuições históricas para pensarmos as relações sociais inicialmente na América portuguesa e depois no império brasileiro. Evidentemente que como a história trabalha com recortes temporais e espaciais não seria possível tratar de todas as regiões em um longo espaço de tempo, por isso no texto procuramos mesclar uma revisão dos significativos fatos da historiografia baiana que mereceram visibilidade na produção acadêmica nacional articulado a  informações de lugares extremamente singulares a história local e com um eco de importância a história da terra Brasil.

 

 

(Texto do Prof. Juliano Mota Campos, da redação d'O Historiante).

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